O discurso insano
09.Jun.14
A arrogante carta de Passos Coelho ao Presidente do Tribunal
Constitucional exigindo uma aclaração do acórdão é um documento indecoroso que
reflecte bem o nível de degradação politica a que desceu a escória encastelada
no poder.
Portugal é bombardeado diariamente com o discurso do
primeiro-ministro.
É um discurso inconfundível, diferente de qualquer fala conhecida.
Não encontro para o qualificar palavra que me satisfaça.
Hipócrita? Irracional? São insuficientes para expressar o estilo,
o objetivo e o conteúdo das suas arengas pomposas. É um discurso insano,
neofascista, que inverte a realidade e ofende a inteligência.
Nos últimos dias, incansável, Passos tem percorrido o país para
glorificar a sua governança. A coluna vertebral dessas arengas é a apologia da
obra realizada.
Sensibiliza-o a gratidão do povo. Não tem dúvidas sobre a
aprovação pelos portugueses da política (vocábulo de que usa e abusa para o
desvirtuar) que lhes impôs «sacrifícios». Sabe que exigiu muito deles, mas
conforta-o a certeza de que aceitaram a dureza de leis e decretos concebidos
para atender a «superiores interesses da nação».
Sente orgulho pelas sábias medidas da sua equipa ministerial que
traduzem um conceito inédito mas humanista de solidariedade, mal interpretado
por gentes que se recusam a compreender que a redução de salários seria afinal
uma modalidade de solidariedade indireta.
Contempla-se já como um reformador revolucionário a cuja estratégia
a História prestará um dia justiça.
O que lhe dói é a incompreensão dos partidos minoritários,
incapazes de perceber que tem governado para garantir o estado social, combater
o desemprego, exigir muito dos poderosos, proteger os mais desfavorecidos - uma
oposição tão cega que não regista o crescimento da economia e a admiração dos
grandes da Comunidade Europeia e do FMI pelos resultados da sua firmeza no
cumprimento das exigências do «memorando» assinado com a troika.
O acórdão do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela
inconstitucionalidade de três medidas do Orçamento de Estado em execução
suscitou a indignação do Primeiro-ministro, do seu governo e da sua maioria
parlamentar.
Passos e sua gente não se limitaram desta vez a discordar das
decisões daquele órgão de soberania. Desencadearam contra ele uma campanha sem
precedentes, pelo tom insultuoso.
O primeiro-ministro marcou-lhe o rumo ao questionar a competência
dos juízes conselheiros, sugerindo que o processo da sua nomeação seja
reformulado.
A arrogante carta ao Presidente do TC exigindo uma aclaração do
acórdão é um documento indecoroso que reflete bem o nível de degradação
politica a que desceu a escória encastelada no poder.
Os discursos pronunciados na Assembleia da Republica pelos
deputados do PSD e do CDS na tentativa de justificarem o encaminhamento dessa
carta desafiadora são esclarecedores da incompatibilidade da ménagerie de
Passos & Portas com princípios universais do direito constitucional.
O gesto deveria ter suscitado o repúdio generalizado da comunicação social. Mas isso não aconteceu.
Os canais de televisão e jornais ditos de referência promoveram
debates e mesas redondas em que muitos dos comentadores de serviço -
porta-vozes da ideologia da classe dominante - aproveitaram a oportunidade para
criticar o Tribunal Constitucional.
Alguns não hesitaram em manifestar compreensão pelo discurso
insano do primeiro-ministro, defensor dos interesses do grande capital, aliado
do imperialismo, inimigo dos trabalhadores.
A resposta das vítimas da política de impostos brutais, dos
desempregados, dos pensionistas roubados, será dada nas fábricas, nas escolas,
nos serviços, em todos os locais de trabalho.
O povo, sujeito da História, está a intensificar o combate a um
governo cuja política num contexto diferente, lembra cada vez mais a de
Salazar. À CGTP e aos comunistas cabe liderar essa luta patriótica.
Serpa,9 de Junho de 2014
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