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miércoles, 20 de noviembre de 2013

Apontamentos sobre o pensamento de Carlos Fonseca

Apontamentos sobre o pensamento de Carlos Fonseca
 Manuel Moncada Fonseca

20.Nov.13

Ler Carlos Fonseca é descobrir os eixos essenciais da realidade histórica nicaraguense, entendendo como tal não só o passado, como normalmente se pensa, mas também o presente e a potencialidade de o desenvolver até aos horizontes que dêem ou possam dar à nação possibilidades de felicidade crescente.

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Ler Carlos Fonseca é descobrir os eixos essenciais da realidade histórica nicaraguense, entendendo como tal não só o passado, como normalmente se pensa, mas também o presente e a potencialidade de o desenvolver até aos horizontes que dêem ou possam dar à nação possibilidades de felicidade crescente.

1. Introdução

Ler Carlos Fonseca é descobrir os eixos essenciais da realidade histórica nicaraguense, entendendo como tal não só o passado, como normalmente se pensa, mas também o presente e a potencialidade de o desenvolver até aos horizontes que dêem ou possam dar à nação possibilidades de felicidade crescente.

Falar de Carlos Fonseca não se reduz à sua pessoa, mas a todo o meio histórico do nosso país. Não é portanto possível referirmo-nos a ele sem ter em conta os seus estudos sobre Sandino, a sua luta, os seus companheiros de luta, a sua vida e o seu legado político-ideológico. Não é assim por acaso que fala e escreve sobre o herói das Segovias e faz referência aos antecedentes mais remotos da sua gesta. Também não é de admirar que assuma constantemente a análise do que caracterizou a ditadura somozista, a oposição burguesa e a permanente resistência que o povo liderou contra as várias formas de opressão a que foi submetido; luta de que ele próprio foi não só testemunha e protagonista, como também, sobretudo, o maior impulsionador.

Se para Sandino Benjamim Zeledón foi a chave da realidade nacional, para Carlos Fonseca, Sandino foi a tocha que iluminou com a sua luta, os seus ideais, o seu génio e patriotismo a toda a prova, toda a luta ulterior do povo não só até ao desabamento da ditadura somozista em 1979, mas sim até ao presente, em que o seu legado está vivo em todos os projectos que impulsiona o FSLN no poder.

II Breve comparação entre Sandino e Carlos Fonseca

Sandino nasceu a 18 de Maio de 1895 em condições de extrema pobreza; morreu assassinado a 21 de Fevereiro de 1934, à ordem do império e a ditadura somozista cedo demais. Não pôde fazer 40 anos.

Carlos Fonseca nasceu a 23 de Junho de 1936, morreu a combater a ditadura somozista a 8 de Novembro de 1976. Mal conseguiu fazer 40 anos.

Sandino foi filho natural de Margarita Calderón, uma camponesa e de Gregório Sandino, um agricultor médio. Carlos Fonseca foi também filho natural. Fausto Amador, seu pai, foi um funcionário da ditadura somozista e antes administrador da mina La Reina em San Ramón, Matagalpa, fundada em 1938 por investidores ianques. A mãe foi Agustina Fonseca Úbeda, camponesa e cozinheira.

Tanto Sandino como Carlos Fonseca, na altura em que se interessaram vivamente pela realidade local a cuja transformação radical dedicaram todas as suas energias e vidas, compreendiam a nação como parte inseparável do mundo, e particularmente da Nossa América.

«Digo à América Latina que enquanto Sandino respirar, a independência da América Central terá um defensor. Nunca atraiçoarei a minha causa. Assim me chame filho de Bolívar”. [1]

Carlos Fonseca, por seu lado, falava da necessidade de tomar os ideais de Karl Marx, Camilo Torres, o Che e muitos outros heróis do mundo [2]

Devia ver-se a esperança que criou no povo nicaraguense a vitória do povo venezuelano em Janeiro de 1958, contra a ditadura de Perez y Jimenez e Pedro Estrada; [3] de forma semelhante expressou-se sobre a vitória do povo cubano na sua luta contra a ditadura de Batista, em Janeiro de 1959, declarando que ela dava novas esperanças ao nosso povo que a acolhia como sua [4]

Vejamos alguns dos fios essenciais que Carlos Fonseca descobre em Bajo la bandera del sandinismo (Sob a Bandeira do Sandinismo)

III Análise histórico-política [5]

Nas suas Análises Histórico-políticas, ao referir-se ao que ele chama «a luta pela transformação da Nicarágua», sublinha que a luta contra a ditadura somozista não implica uma mudança simples, mas sim uma mudança radical traduzida na liquidação do sistema económico e político que impera na Nicarágua, substituindo-o por um novo e superior. Não é por acaso que coloca a Nicarágua como parte inseparável do mundo oprimido pelo imperialismo cuja capital se situa em Washington. Por isso, o país possui uma estrutura económica que na sua maior parte responde a todas as demandas do mercado externo, fenómeno que, no interno se expressa como monocultivismo. Assim, as melhores terras encontram-se sob o poder da oligarquia latifundiária.

Caracterizando sempre as estruturas socioeconómicas do país, Carlos Fonseca afirma que as mesmas pessoas que controlam o aparelho estatal do mesmo, controlam igualmente a sua vida económica. Ao mesmo tempo, servindo os interesses dos Estados Unidos, a ditadura funciona como agência do Departamento de Estado dos Estados Unidos. E assim, os invasores ianques criaram a Guarda Nacional como núcleo fundamental da ditadura somozista.

Perante este panorama que favorece os menos em detrimento dos mais, estes interessam-se por que a Nicarágua triunfe numa revolução que os transforme a eles em dominadores e os primeiros em dominados.

Mas Carlos Fonseca não faz o seu exame da realidade apenas a partir da óptica de classe (povo versus ditadura), mas também das que formalmente, não de fundo aceitam a oposição ao somozismo; os conservadores, cujos interesses representam os mais ricos, comerciantes milionários, empresários e latifundiários. Essas forças organizadas no Partido Conservador, têm como meta única «substituir os Somoza em primeiro lugar como milionários. Não representam assim «interesses irreconciliáveis com a ditadura». [6]

Ditadura, oposição, povo e luta armada

Nesta base, Carlos Fonseca afirma:

«Em grande medida a camarilha conservadora encontra-se interessada na continuação do somozismo se a queda deste levar a uma revolução que liquide a exploração brutal do povo. Esta, assinala, dá a explicação sobre a causa pela qual o Partido Conservador não tenha sido capaz de dirigir com êxito a luta opositora e também explica os numerosos pactos que se praticaram com a camarilha ditatorial.» [7]

Em contrapartida do acima assinalado, os sectores mais combativos do povo, particularmente os estudantes e os jovens da classe média urbana, buscam novos caminhos para derrubar a ditadura.

A conclusão inequívoca a que chega Carlos Fonseca consiste em que com a luta legal não se consegue alcançar nenhuma vitória, sobretudo considerando que «a ditadura é um regime de força e não de lei». Nesse sentido, torna-se absurdo que o povo levante «a lei contra a força, o código contra a baioneta» [8]

Necessidade de outras formas de luta

Mas a luta armada, por muito importante que seja, não pode por si só conduzir à vitória do povo. Pela mesma razão, esta forma de luta deve forçosamente aproveitar as portas legais, por poucas e limitadas que sejam, para denunciar os problemas que o povo suporta. O mesmo se passa com a actividade clandestina, que deve considerar-se auxiliar importante da luta armada. Esta actividade deve ocupar-se da organização de reuniões relâmpago, pichagens, etc. [9]

No entanto, a luta armada não significa para Carlos Fonseca a terrorismo. Por isso, declara que as forças revolucionárias se declaram inimigas do uso de bombas e sabotagens isoladas como base da luta contra a ditadura. Para ele, é errado assumir que a perturbação produzida pelas bombas possa liquidar o regime ditatorial. Também não se trata de descartar por completo essas formas de luta, deve recorrer-se a elas como auxiliares de uma acção armada determinada, evitando que possa dar lugar a vítimas inocentes. [10]

A unidade na acção, sem sectarismos

Mas nenhum triunfo se torna possível sem a unidade na acção, sem sectarismos de qualquer tipo. Só assim se conseguem os objectivos revolucionários. Mas isso consegue-se apenas na medida em que a direcção da luta vencedora contra o regime opressor esteja em mãos revolucionárias que contem, ainda, com o apoio do campesinato pondo em prática «uma linha agrária de entregar a terra. [11]

O êxito da luta depende, assim mesmo, da capacidade autocrítica das forças revolucionárias; do estudo permanente da experiência de luta própria e da de outros povos irmãos. [12]

Breve estudo da luta popular nicaraguense; a GN, a ditadura e a cumplicidade conservadora

No seu breve estudo da luta popular nicaraguense contra a ditadura de Somoza, Carlos Fonseca aborda tópicos diversos que complementam o panorama anteriormente exposto.

O primeiro que surge nesta análise é que a Guarda Nacional é o principal instrumento para garantir a permanência da ditadura, na medida em que a história desta é a daquela. Aprofundando a respeito deste assunto, Carlos Fonseca acrescenta que os métodos criminosos adoptados pelo Somozismo a fim de consolidar o poder, contam com o aplauso dos líderes do Partido Conservador, a que chama «tenda política da oligarquia feudal», tal como o demonstrado no banquete que deu em Granada, após o assassinato de Sandino a 21 de Fevereiro de 1934 para festejar o feito, perante a confissão que Somoza fizera assumindo a sua responsabilidade pelo dito crime e o de muitos patriotas que seguiam o herói. Não é demais declarar que, para Carlos Fonseca, a instauração do Somozismo deve considerar-se «parte do plano fascista internacional de implantar governos apoiados na força reaccionária». Não é estranho que Somoza Garcia, durante algum tempo, exibisse no seu escritório fotografias de Hitler, Mussolini e Hirohito, as quais retirou após o ataque japonês a Pearl Harbour.? [13]

Caracterização do regime somozista

Entre os objectivos do regime somozista, Carlos Fonseca assinala:

1. Servir de centro de conspiração contra governos do Caribe legitimamente eleitos que têm maior ou menor vontade de proteger os interesses dos seus povos. Na Guatemala, Carlos Castillo Armas, para derrubar Jacobo Arbenz – o que sucedeu a 19 de Fevereiro de 1954, contou com aviões que a ditadura somozista lhe facilitou; na Costa Rica, Pepe Figueres (pai) mesmo que nada tivesse feito contra os monopólios, a 8 de Janeiro de 1955 viu-se agredido por Somoza Garcia; em Cuba o ditador Fulgêncio Batista massacrou o povo com tanques que o somozismo lhe enviou.

2. Ultraje aos valores nacionais, como a memória de Ruben Darío, ao dar o seu nome à principal condecoração do país, outorgando-a à gente mais baixa do continente e do mundo.

3. Adopção de uma natureza dinástica à raiz do seu fundador, Anastácio Somoza Garcia, a 21 de Setembro de 1956. Portanto, a presidência do país é assumida por Luís Somoza Debayle (que, a Fevereiro de 1957, mediante uma farsa eleitoral é eleito presidente até 1963), e contou com o apoio de Thomas Whelam, embaixador dos Estados Unidos na Nicarágua, enquanto seu irmão Anastácio Somoza Debayle, contando com o mesmo apoio, se colocou diante da Guarda Nacional.

4. A economia do país conserva-se num nível semifeudal e semicolonial, já que a parte fundamental da sua produção se orienta para os mercados externos, essencialmente para os Estados Unidos e porque a maior parte dos produtos que importa são manufacturados. Não é por acaso que a principal latifundiária e a mais rica do país seja a família Somoza. A ditadura reduziu o povo a suportar uma vida cheia, por exemplo, das piores calamidades, entre as quais, a desocupação, os salários baixos, o analfabetismo, doenças, etc. Mais de 50% das pessoas que morrem na Nicarágua são menores de 4 anos. Não há assim pobre no país que não tenha sofrido pelo menos a morte de um dos seus filhos.

5. São duríssimas as penalidades que suportam os trabalhadores das minas de ouro, prata e cobre nas mãos de companhias estrangeiras.[14]

Algumas conclusões à volta da luta popular

Após a análise breve da luta popular contra o somozismo, Carlos Fonseca, chega a algumas conclusões

1. A saída eleitoral é uma farsa hipócrita sobre tudo pelo carácter repressivo da Guarda Nacional e a ocorrência de fraudes eleitorais por parte do regime.

2. O Partido Conservador e outros elementos vacilantes são, como os Somoza traidores à Nicarágua.

3. A insurreição popular armada é a medula da luta contra o somozismo.

4. A unidade é, necessariamente, fundamental para que a insurreição progrida. E esta requer sem falta unidade na acção.

5. O Exército Defensor do Povo Nicaraguense deve contar com o apoio da Frente interna da Resistência, mesmo que tenha de fazer uso de «métodos clandestinos e secretos de luta, à margem das leis reaccionárias da ditadura”.

6. A actividade legal de determinadas organizações e personalidades pode ter um papel importante na luta revolucionária.

7. A juventude da Nicarágua do povo está vinculada ao triunfo contra a ditadura já que sente e compreende que no meio está o futuro da Nicarágua. [15]

Mensagem aos estudantes revolucionários, Abril de 1968

Na sua Mensagem aos estudantes revolucionários, publicada em mimeógrafo em Abril de 1968, em nome do FSLN, Carlos faz referência às dificuldades com que deparou o movimento armado revolucionário para se desenvolver, o que atribui à política oportunista seguida pelos que ele chama de falsos marxistas, que renunciam à luta armada para conquistar o poder e manietaram a direcção do movimento revolucionário por décadas, imprimindo-lhe métodos de trabalho pacificadores. Pelo contrário, anota, a decisão do FSLN de recorrer à luta armada demonstra que os militantes deste agrupamento são a força com maior desejo pela transformação da Nicarágua e o estabelecimento de um regime revolucionário [16]

Estudantes revolucionários e estudantes guerrilheiros

Reafirma que os combatentes de procedência estudantil ocuparam um lugar destacado na germinação da luta armada. No entanto, faz a distinção entre os estudantes guerrilheiros que derramaram o seu sangue e os estudantes revolucionários que ficaram nas aulas de braços cruzados. O movimento estudantil organizado, acusa, limitou-se a lançar proclames de pêsames; não se concentrou em assembleias fraternais, não proclamou nas ruas a sua identificação com os ideais dos combatentes do povo. Mas, logo adverte que a responsabilidade recai na indisciplina do movimento estudantil e na penetração capitalista das universidades do país [17]

Desmascaramento do Plano Nacional da Universidade

Carlos desmascara o carácter reaccionário do Plano Nacional de Desenvolvimento da Universidade Nacional da Nicarágua, que fala em coexistir pacificamente, entender-se, dialogar, transigir e respeitar-se mutuamente, conceitos que consideram a luta como algo que rebaixa a função da universidade. Na realidade do que trata esse documento é coexistir não só com a oligarquia capitalista local mas também com o império ianque. Além disso, nele se divorcia a cultura da sua base: a plena libertação nacional. A pretensão assinalada, acusa Carlos Fonseca, leva à aplicação das teorias pedagógicas da revista Life que inculca que os programas educativos devem ocupar a maior parte possível do tempo dos estudantes, com o objectivo de os impedir de dispor de tempo para participar na luta popular.]18]

Estudantes de ensino médio e universitário devem apoiar a luta popular

Os estudantes de ensino médio ou universitário não devem dar apoio a maiorias oprimidas. Pela sua instrução, eles contam com maior facilidade para conhecer as causas que provocam os problemas que afectam a nação, o que multiplica o dever que têm de ser parte do combate popular. Por outro lado, os seus espíritos não foram muito penetrados pelas mentiras e vícios a que a sociedade capitalista dá lugar. Trata-se, pois, do sector da população que com mais dificuldades se vê alienado por esta sociedade. Por isso, a relação entre força estudantil e política torna-se inevitável. E aqueles que se opõem a este vínculo concreto, falam contra o povo. Embora não contra toda a política porque na verdade desejam ver os estudantes identificar-se com a política mais reaccionária.

Sendo o sector que mais deseja as mudanças radicais, os estudantes, por algum tempo, devem ser a força que deve encabeçar a luta popular, o que não significa negar o papel que nele devem desempenhar o sector obreiro e o sector camponês. Antes significa vincular-se estreitamente a eles, o que inclui a investigação dos problemas que os aflige, acudir à fábrica, comarca e latifúndio em que se desenvolvem. Isso torna-se primordial para mobilizar os dois sectores contra os seus inimigos.

Carlos adverte logo que com o desenvolvimento da organização guerrilheira rural, o Partido Conservador e o Partido Social Cristão, identificados com o capitalismo, longe de ficar de braços cruzados, andarão a manobrar; pretenderão ter uma postura que mude apenas o nome ao aparelho estatal somozista para conservar incólume o poder económico dos capitalistas locais e estrangeiros. [19]

Contra a penetração capitalista da Universidade. Critica a reitores

Na mesma tónica, Carlos adverte contra a penetração capitalista no ensino e na universidade. Critica os reitores das universidades por identificar estas com a formação de um homem culto e não com a de um patriota, de um ser humano consciente de por os seus conhecimentos ao serviço da pátria, ao serviço da humanidade.

No entanto, procurando criar obstáculos à identificação estudantil com as autoridades universitárias, o Instituto Nicaraguense de Desenvolvimento (INDE) e o Instituto Nicaraguense de Promoção Humana (IMPRHU) concebem planos para desviar as suas inquietações para coisas inócuas como a de fazer participar o movimento em campanhas de alfabetização a certas pessoas do povo. O que em si não é mau, o problema radica na pretensão de dirigir as suas inquietações essencialmente a este tipo de trabalhos. [20]

No âmbito da luta nacional, Carlos acusa a necessidade de que num programa revolucionário se deve desmascarar socialmente que pretende a conciliação de classe; ou seja, entre ricos e pobres, o que, como a experiência demonstra não é viável. [21]

Resgatar a universidade para o povo, demiurgo da mesma

Uma das exigências à acção estudantil é «a obrigação de resgatar a universidade para o povo, a universidade sustenta-se com o suor do povo trabalhador. A cultura provém do trabalho milenário dos povos. Assim o legítimo dono da universidade é o povo. Mas observemos agora que esta nota não pode passar despercebida: «a razão de ser do movimento estudantil revolucionário, não pode coexistir exclusivamente em obter posições nas directivas estudantis. Em nome da habilidade para ganhar forças nas eleições estudantis chegou-se a renunciar às demandas revolucionárias, à ligação com a ampla massa [22]

Luta de classes, uso da violência e falta de consciência revolucionária

Em «Nicarágua Hora Zero», Carlos Fonseca apresenta uma ideia de grande importância para compreender a realidade histórica da Nicarágua e, principalmente, no que diz respeito à lua de classes, ideia que reproduzimos na integra:

«Um traço notável na história da Nicarágua, principalmente na etapa que se inicia com a independência da dominação espanhola em 1821, é o uso da violência no relevo das distintas forças políticas, representantes das classes exploradoras, que disputaram a hegemonia do poder. As mudanças pacíficas entre os vários bandos das classes dominantes, um tanto frequentes noutros países da América Latina, na Nicarágua predispõem o povo da Nicarágua contra as farsas eleitorais e a favor da luta armada.» [23]

No entanto, garante que outros traços da nossa história consistem em que, embora o povo tenha tomado as armas chefiado por indivíduos que nunca poderiam levar a sua luta a mudanças revolucionárias, faltou uma consciência revolucionária profunda, o que vincula com o obscurantismo ideológico da época colonial que continuou a pesar decisivamente impedindo o povo de marchar para os combates com a consciência plena da mudança social. Nele pesou mais o instinto que a consciência. [24]

IV. Carlos Fonseca em resgate de Sandino (28)

Viva Sandino e outros escritos de Carlos Fonseca Amador

Carlos Fonseca, na sua obra Viva Sandino (1985), afirma que para ter uma visão completa da luta que Sandino encabeçou, assim como da glória e da tragédia que a envolveram, é imprescindível ressaltar a condição de istmo da geografia da Nicarágua, a sua colocação estratégica; valorizar a fecundidade do solo, a cobiça e a soberba do governante local, a grande rebeldia do povo e apreciar a forma em que incidem sobre o país os acontecimentos internacionais (29). Não é por acaso que fala «dos mais remotos antecedentes do destino histórico do povo nicaraguense», mencionado em primeira instância em Colombo e nos exploradores e conquistadores que se lhe seguiram, os quais, desde o início da conquista, transformaram a terra nicaraguense como sua presa, facto que os chontales, dirianes, nagrandanos e matagalpas nunca aceitaram de joelhos. (30)

Mais adiante, ao fazer referência à guerra dos índios que estalou em Matagalpa, em 1881, guerra que crê ser «o sintoma visível da decomposição do sistema feudal», Carlos Fonseca declara: «A guerra dos índios» de 1881 deve considerar-se um antecedente da colossal guerra de guerrilhas que cerca de meio século depois, Augusto César Sandino chefiará. Lembremos que a zona de Matagalpa está situada no que seria um dos extremos da ampla região do país em que chegaram a operar os guerrilheiros sandinistas» (31)

Ao valorizar a etapa que se inicia com a retirada dos invasores norte-americanos, Carlos Fonseca afirma que a compreensão da mesma requer «contemplar a atitude movimento revolucionário internacional para com os patriotas nicaraguenses, assim com aspectos notáveis da situação política interna da Nicarágua [32] Sublinha que embora Sandino tenha contado com uma táctica militar correcta, ela não podia corresponder a uma estratégia política adequada» que desse continuidade à luta de forma indefinida; mas o patriota em troca contou «com um pensamento em que está simultaneamente clara a sua consciência do papel determinante que a luta armada desempenhou na procura da independência nacional definitiva e é também evidente a sua identificação com os ideais avançados da reivindicação social» [33]

Logo após, Carlos Fonseca afirma-nos que não é certo que o herói de Segóvia carecesse de princípios pragmáticos, ligados não só a expulsão do invasor estrangeiro, mas também à eliminação do que lesara a soberania nacional. [34] A debilidade do movimento sandinista não esteve assim nos princípios pragmáticos mas na estratégia da luta e nos meios para tornar reais as metas do movimento. Mais, isso não é encarada por Carlos Fonseca como algo subjectivo mas sim primordialmente como corolário da «limitação que as condições gerais impuseram à luta sandinista» [35]. E declara ainda que ao longo da luta sandinista de 1927-1934, reconhece nela a identificação com as ideias sociais, com o socialismo.

Nós, com base nas palavras de Sandino avisamos que há realmente um pensamento no herói que estando para lá do liberalismo o faz declarar, em Maio de 1933, a sua condição de «comunista racionalista» [37]; dirá que nunca teve disputas ideológicas com Farabundo Marti, comunista Salvadorenho que lutou nas suas fileiras e, mais ainda, em Novembro desse mesmo ano, declararia, que concordava com toas as suas ideias. Mas, sob condições criadas pela intervenção militar ianque, insistirá que a sua luta tinha mais um carácter de libertação nacional do que um carácter social. [38]

Precisamente ao jornalista basco Ramón de Belausteguigoitia, que conversou com o herói sobre vários temas, incluindo os sociais, Sandino afirma que em vários momentos trataram de dar à sua luta, de natureza nacional, um «carácter bem mais social». Afirmava que o movimento que chefiara era nacional e anti-imperialista, mantendo a bandeira da liberdade da Nicarágua e da América Latina. Mas, não nega, que ignorara o social, e por isso acrescentava que o seu movimento era popular e preconiza «em sentido de avanço das aspirações sociais» [39]

Carlos Fonseca, por si, devolve as críticas feitas a Sandino a todos aqueles que a partir da esquerda e do que ele chama «pacifismo utópico», não deram à luta que o herói chefiou o apoio necessário. [40]

Sobre as consequências que a paz teve em 1933, Carlos Fonseca afirma que o carácter negativo das mesmas não dependia das negociações dessa paz em si mesma, mas do cúmulo de dificuldades» apresentadas «o qual quebrou a perspectiva política da luta sandinista. [41]

Noutras palavras suas sobre o herói, intitulado «Crónica Secreta» Augusto César Sandino diante dos seus verdugos (1981) Carlos Fonseca afirma que da atenta observação de «documentos essenciais, resulta a conclusão inequívoca de que Sandino não confiava em ninguém do outro lado, com quem tinha de discutir, nos meses imediatos à expulsão dos ocupantes norte-americanos armados. [42]

Com efeito, Sandino falou da perseguição criminosa de que eram vitimas os seus soldados por parte da guarda [43]; de continuar a evitar os perigos enquanto as coisas não se resolveram na Nicarágua [44] e até que não viveria muito tempo, mas que de qualquer modo continuavam os seus rapazes para continuar a luta [45].

Sérgio Ramirez Mercado, quando a sua pena estava ao lado das melhores causas escreveu sobre Sandino: «O garoto de Niquinohomo», Sandino Classe e Ideologia», Vigência do Pensamento Sandinista», A Alva dos Desterrados». No seu ensaio histórico «Sandino Classe e Ideologia» afirmava que «em última instância o que persiste em Sandino é o projecto fundamental da tomada do poder. Nenhuma reivindicação social, nenhuma ideia de racionalização de recursos naturais […] nenhuma ideia de mudança estrutural na produção, educação, desenvolvimento técnico, se pode conceber sem o desenvolvimento das paralelas históricas oligárquicas presas ao imperialismo e sem o surgimento de uma forma de poder popular« [46] No «Garoto de Niquinohomo», Ramirez garante: «O facto de que a Guarda Nacional estava a cumprir um papel de exército de ocupação nunca lhe teria passado despercebido [47]

Edelberto Torres Espinoza, na sua obra Sandino e seus Pares (1981) fez um estudo extenso sobre o herói nicaraguense referido e as várias facetas da vida e da luta do mesmo. É uma obra amplamente documentada que dá um grande valor ao seu conteúdo. Mas o nosso objectivo, no que respeita a esta obra, é apenas observar o valor que o seu autor dá à paz assinada em 1933. Um só paragrafo bastará o qual transcrevemos a seguir; Sandino tinha o hábito de reflectir detidamente sobre os problemas da sua preocupação, a guerra, a vida para lá da vida, o destino da América, a vida do povo nicaraguense e as suas causas. Agora tem que enfrentar o problema transcendental político da paz. A sua decisão foi sábia e de acordo com a finalidade da sua pertinaz oposição armada ao imperialismo: optou pela paz [48]

V. Epílogo

Conduzida pelo FSLN e tendo como timoneiro o Comandante presidente Daniel Ortega e a companheira Rosário Murillo, a Nicarágua de hoje transita para mudanças cada vez mais profundas que, ainda estão muito longe de alcançar o fim, ao que Sandino chamava levar as coisas até ao ponto.

Restabeleceram-se direitos e estabeleceram-se novos. Há muitos projectos postos em marcha. Cobrem a saúde, a educação, a a casa, as ruas, as infra-estruturas, a geração de energia, a redução da pobreza em geral, a produção; e nem falta a materialização desse velho sonho de construir um canal interoceânico sobre o seu território, em função não apenas dos seus cidadãos, mas de todos os cidadãos do mundo. Referem-se igualmente à consolidação do poder de cidadania em todos os sentidos e a das relações internacionais, assim como a outros assuntos tão vitais como a paz mundial e a preservação do meio ambiente.

Acima de tudo referem-se ao principio bolivariano de conseguir a maior quantidade possível de felicidade, nesta caso, aplicado à nação no seu conjunto, mas também aos povos do mundo sem excepção, para cuja felicidade a nossa nação quer contribuir com o exemplo que dela irradie e que lhe possa humildemente oferecer.

Estamos a dizer que na Nicarágua se está a cumprir o mandato de Sandino, de Carlos e de todas as pessoas que aqui nasceram e morreram pela plena libertação nacional e social do grande demiurgo da história em qualquer lugar do mundo: o povo.

(1) Sandino, Augusto C. O Pensamento vivo. Tomo I: Editorial Nova
Nicarágua. Colecção Pensamento Vivo 1984, p. 269
(2) Fonseca, Carlos Sob a bandeira do Sandinismo. Tomo I: Manágua.
Nova Nicarágua, 1982, p. 66
(3) Ibid. p. 45
(4) Ibid. p. 46
(5) Ibid. p 23-41, escrito a 8 de Outubro de 1976
(6) Ibid. pp. 25-26
(7) Ibid. Pp. 26-27
(8) Ibid. p. 27
(9) Ibid. p. 29
(10) Ibid. p. 32
(11) Ibid. P. 34
(12) Ibid p. 37-38
(13) Ibid. p. 39-40
(14) Ibid. p. 40-42
(15) Ibid. p. 52-54
(16) Ibid. p. 56
(17) Ibid. p. 57-58
(18) Ibid. p. 59
(19) Ibid. p. 60-63
(20) Ibid. p. 63
(21) Ibid p. 69
(22) Ibid. p. 71-72
(23) Ibid. p. 81
(24) Ibid. p. 81-82
(25) Ibid. p. 82-83
(26) Ibid p. 84
(27) Ibid. p. 100
(28) Esta parte, com leves modificações e correcções, foi retirada de um trabalho maior que se intitula Necessitava Sandino de uma Visão Melhor? : http://www.rebelion.org/doc/112613.pdf
(29) Fonseca, Carlos. Obras. Tomo 2. Viva Sandino. Recompilação de textos do Instituto de Estudos do Sandinismo, Editorial Nova Nicarágua, 1985, p. 22
(30) Ibid, p. 23-24
(31) Ibid, p. 34
(32) Ibid, p. 66
(33) Ibid, p. 67-68
(34) Ibid, p. 68
(35) Ibid, p. 68
(36) Ibid, p. 68
(37) Sandino, Augusto C. O Pensamento Vivo. Introdução e notas de Sérgio Ramirez. Editorial Nova Nicarágua, Manágua 1984. Tomo 2, p. 338
(38) Sandino, A.C. Ob cit. Tomo 2, p. 366
(39) Belausteguigoitia, Ramón. Com Sandino na Nicarágua. Editorial Nova Nicarágua 1981, p.183
(40) Fonseca, Carlos. Tomo 2. O Pensamento Vivo. Ob. cit. Pp. 73-75
(41) Ibid, p. 77
(42) Fonseca, Carlos. Obras. Tomo 1. Sob a Bandeira do sandinismo. Editorial Nova Nicarágua. Ob. cit. P. 412
(43) Sandino, A.C. O Pensamento Vivo. Ob. cit. Tomo 2, p. 373
(44) Ibid, p. 356
(45) Ibid, p. 381
(46) Ramirez, Sérgio, Sandino: Classe ou Ideologia. Em de Ouro
A Historia Viva da Nicarágua. Século vinte um editores, 2.a edição, 1984, p. 135.
(47) O garoto de Niquinohomo. Ibid. P. 50
(48) Torres, Edelberto, Sandino e seus pares. Editorial Nova Nicarágua, Fevereiro de 1983, p.278




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