Por Miguel Urbano Rodrigues
Recordar os acontecimentos do Irão há 70
anos ajuda a compreender a atual estratégia dos EUA para o Médio Oriente.
O discurso em que Obama anunciou que
decidira bombardear a Síria inseriu-se numa política de dominação universal
concebida no final da II Guerra Mundial.
Inseguro quanto à atitude do Congresso e
ciente de que a maioria do seu povo condenava um ataque militar à Síria, o
presidente recuou. Mas seria uma ingenuidade acreditar numa viragem da estratégia
agressiva dos EUA para a Região. Nesta, o derrubamento do governo de Bashar al Assad
é somente uma etapa do projeto que tem por alvo numa segunda fase o Irão, o
grande país muçulmano que não se submete ao imperialismo norte-americano.
É útil lembrar que foi ainda em vida de Roosevelt
que um grupo de sábios da Casa Branca e do Pentágono elaborou o War and Peace Program, ambicioso plano
que visava a longo prazo estabelecer o domínio perpétuo dos EUA sobre a Humanidade,
a partir da convicção de que a desagregação do Imperio Britânico estava
iminente e era irreversível.
Ainda não fora criado o estado de Israel,
mas a substituição da hegemonia da Grã-Bretanha no Médio Oriente figurava entre
as prioridades desse Programa entre cujas metas se incluía o esfacelamento da União
Soviética.
O êxito em 1953 do golpe de Estado que
derrubou o governo progressista de Mohammad Mossadegh (1882-1967) e permitiu a
recolonização do Irão contribuiu para acelerar a penetração política, económica
e militar dos EUA no Medio Oriente.
ANTECEDENTES
Desde meados do seculo XIX, a Inglaterra
e o Império russo, no contexto da sua confrontação no Afeganistão,
desenvolveram um esforço permanente para colocar o Irão (ao tempo Pérsia) sob a
sua «proteção».
Após a Revolução Russa de Outubro de 1917
a situação mudou e as pretensões britânicas esbarraram com a firme oposição da União
Soviética.
No final da I Guerra Mundial, a monarquia
persa agonizava. Um general, Reza Khan, tornou-se primeiro-ministro em 1921 e
tentou modernizar o país. Mas, ambicioso, usou a sua popularidade para promover
um golpe de estado. Derrubou o soberano Ahmed Qajar e proclamou-se Xá, isto é, imperador.
Entre as personalidades que se opuseram
ao novo regime ditatorial destacou-se um jovem que já desempenhara importantes
funções públicas: Mohammad Mossadegh.
Filho de um ministro da monarquia e de
uma princesa Qajar, Mossadegh estudara Ciências Sociais em França e
posteriormente doutorara-se em Direito na Suíça.
Desde a juventude chamou a atenção pela
sua honestidade. Ganhou a alcunha de «incorruptível”, como Robespierre. Mas, aristocrata
pelo nascimento e educação, casou com uma princesa da última dinastia.
Reza Xá demitiu-o dos cargos que exercia e
desterrou-o para Ahamadabad, sua cidade natal.
Nos anos que separaram as duas guerras, o
petróleo adquirira uma importância enorme na economia mundial. E a Grã-Bretanha
controlava as gigantescas jazidas de hidrocarbonetos do Irão através da Anglo
Iranian Oil, um gigantesco polvo transnacional que atuava como monopólio na produção
e extração.
Alegando simpatias do Xá pela Alemanha de
Hitler, o governo britânico obrigou-o a abdicar em 1941, ocupou o Pais (com exceção
da faixa Norte, fronteiriça da URSS) e colocou no trono o filho, Reza Pahlavi.
Mossadegh regressou então à política, primeiro
como deputado, depois como ministro das Finanças e ministro dos Negócios Estrangeiros,
e finalmente como Primeiro-ministro.
A NACIONALIZAÇÃO DO PETROLEO
Uma vaga de nacionalismo varria então o Irão.
Mohammad Mossadegh foi o dirigente que soube encarnar as aspirações do seu povo,
liderando a luta por uma independência real.
O Irão estava reduzido à condição de semi-colónia.
Ousou o que parecia impossível: desafiou a Inglaterra imperial ao nacionalizar
a Anglo Iranian, que era oficialmente propriedade do Almirantado Britânico.
Londres reagiu com sobranceria,
apresentando queixa no Conselho de Segurança, mas o órgão executivo das Nações
Unidas remeteu o caso para o Tribunal da Haia.
Mossadegh desenvolveu nesses meses uma atividade
frenética em defesa da soberania iraniana. Esteve primeiro nos EUA e o seu
discurso na ONU teve tamanha repercussão que a revista conservadora Time Magazine o nomeou Homem do Ano em
1951. Viajou depois para a Holanda e pronunciou um discurso histórico no
Tribunal de Haia. A sua intervenção foi decisiva para o veredicto daquela alta
corte de justiça. O tribunal concluiu que não tinha competência para julgar a denúncia
da Grã – Bretanha.
De regresso a Teerão, Mossadegh fechou os
consulados britânicos, expulsou todos os técnicos ingleses e rompeu as relações
diplomáticas com o governo de Londres.
Restituíra ao Irão a dignidade perdida há
seculos e o povo identificou nele um herói.
O GOLPE
O governo britânico, apoiado pelo
norte-americano Truman, decidiu recorrer a métodos drásticos para afastar
Mossadegh do poder. Intrigando junto do Xá, criou um conflito entre o monarca e
o Primeiro-ministro. Mossadegh foi demitido em julho de 1952, mas essa decisão provocou
tamanha indignação popular, com manifestações de protesto nas ruas, que o Xá o
nomeou novamente Primeiro-ministro.
Fortalecido pelo apoio popular, pediu
poderes especiais ao Parlamento para levar adiante 80 projetos de lei que
beneficiariam as massas, esmagadas pelas engrenagens de uma sociedade arcaica.
Obteve-os. Mossadegh introduziu nos meses seguintes reformas revolucionárias que envolveram as finanças, o orçamento, a saúde pública, a Justiça, as pescas, a habitação, a previdência social, as comunicações, as forças armadas. Reformas nunca imaginadas numa sociedade islâmica marcada por heranças feudais.
Os acontecimentos precipitaram-se. O
governo de Churchill comprou dezenas de deputados para sabotar a política de
Mossadegh. Este reagiu convocando um referendo no início de Agosto de 1953 para
dissolver o Parlamento. O povo iraniano votou a dissolução por ampla maioria.
A conspiração, entretanto, estava já
muito avançada. No dia 15 houve uma tentativa de golpe de estado promovida pelo
Parlamento.
Fracassou e o Xá fugiu para Roma.
Mas a CIA, que contava com todo o apoio
do governo britânico, que pedira a colaboração de Truman, montara quase
simultaneamente o seu golpe com colaboração do exército. Foi precedido de
manifestações de rua com a participação de agentes provocadores e de ações de
vandalismo no contexto de uma campanha de calúnias contra Mossadegh.
E esse segundo golpe teve êxito. Preso,
Mossadegh foi julgado sumariamente por um tribunal militar que o condenou a
três anos de prisão e, posteriormente, a residência fixa na sua província.
O Xá regressou de Roma, e em tempo mínimo,
as leis progressistas de Mossadegh foram revogadas. O grande beneficiário da
mudança foi, porém, o imperialismo norte-americano. As grandes petrolíferas dos
Estados Unidos, já então fortemente implantadas na Arábia Saudita e no Iraque,
cobiçavam os hidrocarbonetos iranianos. E abocanharam uma grande fatia à custa
da Anglo Iranian que reapareceu com o nome de British Petroleum.
UM NACIONALISTA REVOLUCIONÁRIO
A Revolução iraniana de 1979 foi o
desfecho da longa e cruel ditadura que, sob a liderança nominal do Xá Reza
Pahlavi, se implantou no país após o golpe de 1953.
Recolonizado, o Irão foi o melhor e mais dócil
aliado dos EUA no Médio Oriente. Durante um quarto de século, os gigantes
transnacionais do petróleo foram no país o poder real.
O Ayatollah Komeiny não teria obtido a
amplo apoio popular que lhe permitiu impor a sua República Islâmica xiita se o
povo não sentisse uma repulsa tão forte pela arrogância imperial dos EUA e e
não estivesse maduro para se rebelar contra o monstruoso regime policial do Xá.
A memória do breve governo revolucionário
de Mossadegh permanece viva e funciona como um estimulante no confronto dos atuais
governantes com Washington. Obama não esconde que os EUA não aceitam um Irão insubmisso.
Mas a ofensiva de desinformação estado-unidense
que continua a apresentar Mossadegh como um defensor do socialismo deforma a
realidade. Ele foi um patriota que amou profundamente o seu povo e tinha um
grande orgulho pela contribuição civilizacional para a Humanidade dos Aqueménidas
e Sassânidas persas e do século de ouro dos Safévidas. Mas, apesar de anti-imperialista
irredutível, não contestava o sistema capitalista.
O persa Mohammad Mossadegh foi um humanista.
Herdeiro de grandes latifúndios, distribuiu as suas terras pelos camponeses que
as trabalhavam. E como Primeiro-ministro ofereceu o seu vencimento a estudantes
pobres de Direito.
Hoje é venerado como um herói pelo seu
povo.
O IRÃO DESCONHECIDO
Contrariamente ao que pensam muitos portugueses,
intoxicados por um sistema mediático perverso, o Irao não é um país subdesenvolvido.
Com uma superfície de 1 648 000 km2 (o triplo da França) tem uma população de 79 milhões de habitantes.
Herdeiro de grandes civilizações, o seu
povo é o mais culto e educado do Islão, sendo muito baixa a percentagem de
analfabetos.
Sociedade multinacional - somente 52% dos
habitantes são persas - o idioma oficial, o farsi, é falado por toda a
população. Foi durante séculos a língua da corte otomana e dos imperadores Mogóis
da India.
O sector avançado da indústria é comparável ao de países como o Brasil e o México. Produz quase meio milhão de automóveis por ano, a maioria de marcas nacionais.
É o quarto produtor de petróleo do mundo e possui as maiores reservas de gás natural. Autossuficiente na produção de cereais, conta com rebanhos bovino e ovino de muitas dezenas de milhões de cabeças.
Tive a oportunidade numa viagem de carro
pelo planalto iraniano de passar em frente das instalações nucleares de Natanz.
Soube ali que estão protegidas por
misseis sofisticados, de produção nacional, capazes de atingir Israel.
Os generais do Pentágono admitem que
bombas convencionais serão provavelmente ineficazes se utilizadas contra os
bunkers subterrâneos de Natanz.
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Publicado pelo semanário AVANTE em 26 de
Setembro de 2013
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