OS INIMIGOS DO POVO
Por Miguel Urbano
Rodrigues
O discurso do governo
Passos-Portas-Gaspar em resposta às moções de censura do PCP e do Bloco de Esquerda
faz lembrar falas do Tartufo de Molière. O clímax da hipocrisia atingiu o auge
quando o ministro das Finanças elogiou na Assembleia da Republica as manifestações
de protesto popular de 15 de Setembro, dia em que centenas de milhares de
pessoas exigiram nas ruas de 40 cidades a demissão do governo.
Em Portugal, a
indignação popular, expressa em múltiplas frentes, principia a assumir um carácter
explosivo. As condições objectivas muito favoráveis somaram-se nas últimas
semanas condições subjectivas imprescindíveis à ascensão da luta de massas
contra o Poder reaccionário.
Forçado a renunciar
às alterações na Taxa Social Única-TSU, o governo concebeu e pretende impor um
pacote fiscal devastador que, a ser aplicado, lançará na miséria milhões de trabalhadores,
reformados e pensionistas.
O desconforto na
direita é tão transparente que Freitas do Amaral definiu como «imoral» o pacote
fiscal e Marques Mendes o comparou a um «assalto à mão armada que vai «matar a
classe media». Até Catroga criticou.
Deputados dos CDS não
escondem criticas à estratégia do parceiro da coligação governante.
O Governo perdeu o
que lhe restava de base social. O assalto selvagem aos contribuintes atirou
para a oposição inclusive camadas sociais com padrão de vida elevado. Uniu
contra ele toda a população.
Onde quer que aparecem
os ministros são vaiados e saem pela porta das traseiras. O repúdio `a politica
de Passos Coelho atingiu tais proporções que a PSP e a GNR participaram da
gigantesca manifestação de 29 de Setembro, convocada pela CGTP.
O medo instalou-se no
governo para ficar. O primeiro-ministro ausentou-se para a Eslováquia e Malta no
5 de Outubro e a comemoração oficial da data celebrou-se num pátio interior,
alegadamente por «motivos de segurança», isto é, por medo do povo.
Passos e o seu guru
Gaspar não compreenderam ainda que, sendo o governo PSD-CDS
instrumento do grande capital, tem uma margem de manobra condicionada pelos interesses
das forças que representa e lhe confiaram as insígnias do Poder político.
Atravessou uma
fronteira proibida e perdeu a confiança de sectores e personalidades influentes
da finança, da indústria e do comércio que temem a reacção dos trabalhadores às
consequências da «austeridade» cavalar.
Não assimilaram uma
lição fundamental da Historia. Os povos acabam por se insurgir quando a
opressão ultrapassa os limites do humanamente tolerável e o seu direito a
viverem com dignidade é desrespeitado em benefício das minorias que exercem o poder.
Isso não aconteceu somente nas sociedades coloniais onde os movimentos de libertação
se levantaram contra a dominação imperialista. Na Europa o desespero acumulado
esteve na origem de grandes revoluções que inflectiram o rumo da História.
Na Inglaterra a revolução
de 1648 venceu porque Cromwell foi a voz da repulsa popular contra o despotismo
de Carlos I. Na França a tomada da Bastilha e a sua destruição pela plebe de Paris
assinalaram a recusa do povo francês em suportar o regabofe da monarquia absoluta
que se autoproclamava de direito divino.
Na Rússia a Revolução
de Fevereiro de 1917, prologo da de Outubro – o maior acontecimento da História
- surgiu como violenta resposta do povo ao regime de terror da autocracia
czarista.
Em Portugal, a Revolução
Democrática e nacional de Abril foi viabilizada porque as forças armadas,
envolvidas numa guerra colonial criminosa (e perdida), se aliaram, após o derrubamento
do fascismo, ao movimento popular, assumindo as suas aspirações.
Neste Outubro
escaldante, a irracionalidade da política de Passos-Gaspar ultrapassou já as
fronteiras do absurdo.
O discurso oficial
lembra pela técnica o do fascismo. Os argumentos invocados pelo chefe do governo
e pelo ministro das Finanças na tentativa de «explicar» uma politica fiscal monstruosa
e o tom seráfico e patrioteiro das suas arengas ressuscitam o estilo da oratória
da época de Salazar.
Passos, obviamente,
não pode desencadear a repressão maciça, como desejaria, porque a estrutura institucional
não lhe abre essa possibilidade. Para estabelecer a confusão enche a boca com a
palavra democracia, mas o artifício retórico perde eficácia porque uma
percentagem crescente da população toma consciência de que o regime se transformou
gradualmente numa ditadura da burguesia de fachada democrática, imposta pelo
grande capital.
Ocorre o que parecia impossível
há meses: alguns dos ministros são já mais inábeis e arrogantes do que os da
ditadura salazarista na avaliação da mudança da relação de forças resultante
dos desmandos governativos. Essa realidade é identificável em leis e projectos
fascizantes que ultrapassam o imaginável no desmantelamento de estruturas jurídico-administrativas
em prejuízo do trabalho e benefício do capital.
O POVO PERANTE O
INIMIGO
A grande maré do
protesto popular sobe agora em ritmo torrencial. O sofrimento tem um limite e o
povo português compreendeu que não lhe resta outra opção que mobilizar-se
contra o bando responsável pela ruína do País. Urge afastá-lo do poder
politico.
O quadro da luta mudou.
Passou de intermitente a diária. Nas fabricas, nas ruas, nas escolas, nos
portos, nos transportes, nas repartições publicas, em múltiplas frentes. As
greves sectoriais e as manifestações sucedem-se.
Tudo se conjuga para
que a greve geral de 14 de Novembro paralise o País.
A não participação da
UGT nessa iniciativa não surpreende.
A direcção da central amarela cumpre o
papel que tem desempenhado desde a sua criação como travão às lutas sociais. No
acordo que assinou com o patronato (elaborado nas reuniões com os mal chamados
parceiros sociais) caiu-lhe a máscara.
O mesmo está a acontecer
com o PS, co-signatário do acordo com a troika. A sua direcção, negando apoio
na Assembleia da Republica às moções de censura ao Governo, confirmou uma evidência.
Contrariamente ao que insiste em afirmar a comunicação social, o PS deixou há
muito de ser uma organização de esquerda. O partido de Antonio José Seguro
actua hoje como aliado táctico da direita neoliberal.
Uma pergunta é formulada
nestas semanas pelo povo em luta: que desfecho terá a medonha crise em
desenvolvimento?
As tentativas de
resposta são especulativas. Mas é útil tomar consciência de que a crise
portuguesa se insere na crise global do capitalismo. O sistema está condenado,
embora a sua agonia seja lenta e assinalada por monstruosos crimes contra a humanidade.
Em Portugal, a única certeza
é a intensificação da luta dos trabalhadores. O pacotão fiscal incluído no
Orçamento para 2013 contribuiu aliás poderosamente para a adesão de novas
camadas sociais ao combate ininterrupto que se esboça no horizonte. Aos responsáveis
pelas calamidades que se abatem sobre Portugal não se ajusta mais o
qualificativo de adversários políticos. Comportamse como agressivos Inimigos
do Povo. Como tal devem ser tratados e combatidos.
Serpa, 5 de Outubro
de 2012
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